A Manuel de Faria e Sousa
pedindo-lhe o avisasse de certo secreto que lhe importava
Nenhua filosofia basta (não me oiçam os estóicos) para sossegar as inquietações de um ânimo ofendido. Porque os afectos podem-se temperar mas não se podem negar; e mais fácil é aos homens fingi-los ali onde eles não estão, que sumi-los onde estão, de sorte que se não enxerguem. Despois que V. M. me avisou tinha que dizer-me, ando batalhando comigo por ver se posso desmentir estes meus temores; e eles tomam novo brio na contenda. Nada tem de apetite, de necessidade si, o desejar saber este segredo. No tempo da peste não há mal que não seja contagioso. Senhor meu, que mais claro poderei confessar minha cobardia? Se porventura vileza, pode (como com alguns) ser merecimento. Eu não me posso comprimir sem que ouça, e peço a V. M. me diga o que tem para dizer-me (e bofé, Senhor, que estou tal que, até o que não me quiser dizer, estou para lhe perguntar). Bem pode ser que a adivinhação dos males me induza a esta curiosidade. Seja o que for, eu pergunto, e afirmo a V. M. que me vejo com assaz cuidado sobre as cousas de aquém e de além; porque de banda a banda alcança a minha má fortuna. Queira V. M. lançar-me o fio a este laberinto, ainda que seja o fio de ua regra, já que o tempo me não deixa ver a V. M., e dá agora em me perseguir, como os do tempo. De tudo livre Deus a V. M. e guarde muitos anos. Castelo, 23 de Setembro, 1637.
Cartas Familiares
(edição de Maria da Conceição Morais Sarmento)