Porto, 13 de Abril de 1933
Meu Ex.mo e presado Amigo e Colega
Não sei como pedir-lhe desculpa de só agora lhe responder. O seu antigo professor, que, embora sempre fraco, se deu largamente aos seus alunos durante longos anos -- ensino desde os 16, e tenho 54 -- encontra-se agora bastante esgotado de forças, que mal lhe chegam para arrastar a grilheta de ganhar o pão, e, sobretudo, de prover à educação dum filho. Depois de 27 anos de serviço dedicado, o Estado lança-o à margem, e até já lhe negou, com grande injustiça, a reforma. Mas o mundo é assim, e tudo isto só vem como desabafo e para justificar a deplorável demora desta carta.
Transmiti a minha filha os seus agradecimentos, e, sem desconhecer que ela foi zelosa em lhe prestar esse pequeno serviço, concordo com ela que as manifestações de reconhecimento por parte de V. Ex.ª já excedem bastante a importância do que ela fez.
Muito e muito lhe agradeço a oferta dos seus trabalhos, alguns dos quais já conhecia um pouco, e apenas não mais por saírem da minha especialidade. Alem do seu valor intrinseco, constituem uma boa semente de labor caracterizadamente europeu, que, esperemo-lo, ha-de germinar um dia em farta e redentora seara. Por agora são ainda as hervas ruins, de enganosa florescência estéril, que abafam, entre nós, as obras sérias. Nem ha crítica nem opinião culta que saiba e seja capaz de distinguir o trigo do joio. Mas isto de procurar fazer obra séria é um vício que se adquire e perdura, embora só nos seja nefasto...
Senti sinceramente as últimas e grandes contrariedades da sua vida. O caso é de todos os tempos, e consubstancia-se no símbolo cristão: quem diz verdades, sofre perseguições. Ou, numa comparação mais actual: o medico radiologista sofre por ver amputações, mas pode consolar-se pensando que o rádio ou os raios X sempre fizeram bem aos doentes...
Ainda V. Ex.ª, segundo creio, tem saude e vigor, e está relativamente novo; agora veja o meu caso, embora a minha obra seja modesta: cerca de 50 anos, e quando eu julgava sentir que certas qualidades de professor e de investigador estavam justamente amadurecendo; quando o meu pequeno nome, sem reclamos para que não tenho geito, já ia sendo registado no estrangeiro -- cortam-me a carreira, brutalmente, e vão-me assassinando a fogo lento...
Deseja-lhe todas as prosperidades -- aquelas que mais presa -- o seu
antigo professor, e colega amigo e muito grato
Luiz Cardim
Correspondência de Rodrigues Lapa
(edição de Maria Alegria Marques, Ana Paula Figueira Santos, Nuno Rosmaninho, António Breda Carvalho e Rui Godinho)