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Jun 06
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Ferido de inocência desde sempre
Alberto de Lacerda

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[1869]


Il.mo Snr.
V. S.ª teve a bondade de me remeter o seu opúsculo acerca de Teófilo Braga e do Romanceiro e Cancioneiro Português, acompanhando a dádiva de uma carta recheada de expressões tão exageradamente benévolas que não sei se as agradeça, se me limite a esconder a mesma carta para que ninguém a veja.
Sempre tive grandes dúvidas sobre a doutrina da superioridade das inteligências; isto é, da diferença de inteligência a inteligência, quando estas são completas. No que acreditava, na época em que pensava nessas cousas, era na superioridade das vontades. O querer é que é raro; e tenho a consciência de que fui um homem que quis nas cousas literárias. Desde que perdi o querer, caí na vulgaridade. Hoje não passo de um homem vulgar.
Aqui tem V. S.ª a verdade da minha apoteose.
Quando profundos desgostos me forçaram a descrer das letras, e ainda mais do país, as tendências da actual mocidade estudiosa apenas despontavam no horizonte, se despontavam. V. S.ª faz-me, ou o favor, ou a justiça, no seu opúsculo, de me supor homem de análise. Não há-de, pois, de admirar-se que lhe diga que me parecem perigosas, para não dizer outra cousa, essas tendências. A generalização, a síntese, são, em absoluto, cousas excelentes: são a ciência na sua forma definitiva e aplicável. Mas, para generalizar e sintetizar, é necessário haver que. Ora, a história, na significação mais ampla da palavra, ainda não possui elementos suficientes para a generalização. Desde a paleontologia e a etnografia, até à história das sociedades modernas, há muitos factos adquiridos indubitável e indisputadamente para a ciência; mas há muitos mais ignorados, incompletamente conhecidos, ou disputados; e isto não só na história política e na social, mas também na do desenvolvimento intelectual do género humano, na das letras e da ciência. Que síntese séria é possível assim? Enquanto a análise não tiver subministrado uma extensa série de monografias definitivas, as sínteses que andam por aí correndo não passam de romances pouco divertidos, quando não são piores do que isso: uma geringonça absurda.
No tempo em que eu andava peregrinando por esse mundo literário, antes de me acolher ao mundo tranquilo de santa rudeza, conversei um pouco com Vico e Herder, com Vico e Herder como a Itália e a Alemanha os geraram, e não como os aleijaram e embaiucaram os cabeleireiros franceses (todo o francês, com raras excepções, tem um pedacinho de cabeleireiro). Sempre me pareceu que tinham nascido muito antes do seu tempo. Deus ter-lhes-á de certo perdoado o mal que fizeram. Sem o quererem, nem pensarem, deram origem a uma cousa em história que eu só sei comparar ao gongorismo da poesia e da prosa literária do século XVII.
Desculpe V. S.ª esta franqueza de um homem do campo. Tenho-a, porque o seu opúsculo revela um escritor, e, posto que hoje eu não passe de um profano, far-me-ia pena se o visse perdido por esse desvios das simbólicas, das estéticas, das sintéticas, das dogmáticas, das heróicas, das harmónicas, etc..
Teófilo Braga é uma inteligência completa e uma grande vocação literária, mas uma fraca vontade: gosta de fazer ruído; deseja adquirir reputação; não possui, porém, o querer robusto que vai até o sacrifício, que vai até o martírio, e que é preciso para se tornar um homem verdadeiramente superior. Achou a porta do abstruso sintético e simbólico engrinaldada de maravalhas francesas: meteu-se por ela; e, em resultado, aí temos, não direi a Visão, as Tempestades e a Ondina, porque não quero que V. S.ª fique mal comigo, mas direi a História da Poesia Popular e os Forais que V. S.ª mesmo trata desapiedadamente.
Nestas matérias, peço a V. S.ª que se volte um pouco para a análise. Há tanto que fazer por esta parte! Relendo o seu folheto daqui a anos, há-de conhecer que o conselho era sincero e amigável. Dir-me-á porque não o dou a Teófilo Braga? Porque não o aceita. Aquele, ou já se não cura, ou há-de curar-se a si mesmo. É o que, sem lho dizer, eu do coração desejo. Disponha V. S.ª da inutilidade deste aldeão que é, de V. S.ª V.or e C.
In Oliveira Martins, Alexandre Herculano
(edição de Joel Serrão)

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