Porto, 11 de Setembro de 1949
Meu prezado e bom Amigo Ex.mo Snr. Roberto Nobre
Na página literária do «Janeiro» de 4ª feira passada veio uma extensa e muito elogiosa notícia crítica do meu livrinho, subscrita pela letra A.; fui lá agradecer, e soube que era do snr. Jayme Brazil, a quem vou portanto agradecer também, para o que pedi a morada dele em Paris.
Mandei um recorte ao Dr. Câmara Reys, nosso comum amigo, e não [sei] se ele lho mostrou, ou se VExª terá visto a crítica no próprio Janeiro. Começa por fazer referências muito generosas às minhas actividades em filologia germânica, e em especial quanto a Shakespeare, acrescentando que me devia ser dada uma bolsa de estudo para estudar e investigar em Inglaterra, e em seguida passa em revista todo o livrinho, com bastante minuciosidade e compreensão. A única nota discordante -- embora também amável -- é chamar «monumental» à minha obra «Shakespeare e o Drama Inglês»; eu reconheço, sem falsa modéstia, que ela é bastante completa, bem informada, actualizada e... muito condensada; mas daí a «monumental», vai um bocado, e quem ler a crítica e conhecer o livro, estranhará talvez um pouco o epíteto.
Mas é uma crítica extremamente bondosa, tanto pela extensão como pelo fundo, e como sei que a devo em grande parte à iniciativa gentilíssima de VEx.ª, é a VEx.ª que primeiro agradeço. Em Outubro irei a Lisboa, e lá fá-lo-ei pessoalmente. Eu tenho andado a traduzir para inglês uns trabalhos de psicotecnia; tive, é claro, que estudar o assunto, e como me deram pouco tempo, o esforço foi grande, e dura há um mês, pouco mais ou menos. O que vale é que me rende uns três contos; é pouco ainda para o número de horas que me levou, mas... pecuniàriamente é melhor que «Os Problemas do Hamlet», que nada me renderam, aliás por proposta minha inicial. Agora gostava de escrever sobre «As tendências actuais dos estudos shakespeareanos», ou coisa parecida -- um tema em que cabia muita coisa; mas tenho actualmente a vida muito embrulhada, e sinto-me velho e cansado, além do que o assunto demandava grande bibliografia, que não sei se poderei obter. «Os Problemas do Hamlet» foram uma deliciosa aventura, em que os livros necessários -- os mais necessários, pelo menos -- foram «vindo pelo ar», sponte sua aparentemente, dos vários pontos cardiais, e as várias-das-peças do puzzle se foram também encaixando por si mesmas nos seus devidos lugares... Mas o que eu pretendia agora é obra de mais vulto: terei eu tempo, forças, paciência e elementos para a levar a cabo?
Mas não abuso mais da sua bondade -- e até Outubro. Renovo os meus mais rendidos agradecimentos, e sou sempre
o de VEx.ª
admirador e amigo muito reconhecido
Luiz Cardim
«Sete Cartas de Luís Cardim a Roberto Nobre»,
Boca do Inferno, n.º 1
(edição de Ricardo António Alves)