Ex.mo Senhor Presidente do Conselho
Professor Doutor Marcello Caetano:
Tenho ao meu cuidado a perspectiva de dirigir um jornal nascido no Porto e que persistiu em tantas vicissitudes, que o público o tomou como infeliz cartaz da cidade. De tudo quanto se colhe de estudo que nos sirva ao procedimento, às vezes há que escutar o senso popular como a melhor maneira de prever o futuro. O nome de Diário do Norte devia ser mudado, isto como satisfação que estimula muitos, e medida que não chega a desaprovar ninguém. Trata-se de um jornal de que o Porto está pronto a orgulhar-se, logo que lhe evitem o pretexto de o ter de receber mal. É sabido que, para conhecer os homens, não basta desprezá-los. Quando uma animosidade se manifesta na massa, é certo que esta obedece à praxe da discórdia, mas quase sempre tem também alguma base de porfia num estado de equilíbrio. Pois há uma ordem de interesses que é sentida por todos igualmente.
Eu peço a V. Ex.ª que, se os altos problemas a que preside o permitirem, se digne conceder uma observação a este assunto que, por ser modesto, requer paciência, e de cuja conveniência e oportunidade só V. Ex.ª poderá decidir.
Isto de jornais, melindre fácil na ciência da produção, depende muito de que nos antecipemos ao capricho das gentes, com uma dose de inactualidade, que é compreender, mais do que definir.
Com os meus respeitosos cumprimentos
de V. Ex.ª admiradora e grata
Agustina Bessa Luís
23 de Agosto de 1971
Cartas Particulares a Marcello Caetano
(edição de José Freire Antunes)