Estavam na «ilha» do Grilo. -- Um duplo renque de casebres, de singela madeira e taipa, mal armados, imundos, quase sem beirais, sem forros, sem vidraças, todos riscados no mesmo padrão, com a mesma feição patibular, todos calcados no anonimato peculiar às coisas ínfimas. Assim como era um, eram todos. Rés-do-chão e um andar; em baixo, alternadamente, uma janela e uma porta; em cima uma sucessão monótona de janelas. Mas nem as portas tinham resguardo, nem as janelas caixilhos. Por onde entrava a luz, havia de entrar também o vento, a chuva, o frio, o calor, toda a sorte de inclemência. As paredes eram uma casca de noz, os alicerces uma abstracção, a segurança um mito, a higiene um impossível. Aberta, cada uma destas reles barracas era uma praça; fechada, era um túmulo. E túmulo com carneiros, pavorosamente cavado em subterrâneas ramificações, a avaliar pelas exíguas frestas que no seu carcomido rodapé tenuemente luziam, aqui, ali, mesmo à raiz da terra.
Amanhã(retrato de Botelho por Columbano)