O rei ousou afrontar a politicalha monárquica, desviando-se do seu papel de moderador constitucional, ao impor João Franco como chefe do governo, em ditadura. Porque razão teve ele de o fazer, remete-se para o caos institucional em que o chamado rotativismo lançara o país. D. Carlos deixou aqui de obedecer à fórmula constitucional «o rei reina mas não governa», para assumir, por interposta pessoa, os escolhos da governação. Tal atrevimento não poderia ficar sem reacção: José Maria de Alpoim e o Visconde da Ribeira Brava (por ironia, antepassado directo da actual Duquesa de Bragança), membros destacados do Partido Progressista (do bacoco José Luciano de Castro, patrono do agora célebre Hospital de Anadia), que após o 5 de Outubro se passariam para o novo regime, estão implicados nesse acto bárbaro, perpetrado por um bando de fanáticos carbonários. Sabe-se hoje, depois do estudo sobre o regicídio levado a cabo por Miguel Sanches de Baena que as Winchester que atentaram contra as vidas do rei e dos príncipes foram compradas por Ribeira Brava, que a 1 de Fevereiro estava preso por participação no golpe de 28 de Janeiro. Alpoim, que conseguira escapar-se para Espanha, estava em Salamanca, com Unamuno, quando teve notícia do assassínio. «Mataram o cão!», disse o Alpoim ao grande mestre salamantino, que mais tarde o recordou, escrevendo a seguir: «Fiquei gelado»...
A fraqueza institucional do rei esteve em não ter o respaldo e a legitimidade do sufrágio universal. Mas esse era um problema do regime, não do homem. Este, um grande diplomata, um pintor de mérito, um oceanógrafo pioneiro, «abatido como um cão a uma esquina de Lisboa» -- como escreverá Raul Brandão nas suas Memórias --, foi assassinado pelas suas qualidades: a de não poder sancionar o regabofe da politicalha.
Dois anos depois, com mais ou menos retoques, mudavam as moscas.