Que têm em comum John Ford e Raoul Walsh, Nicholas Ray e Elia Kazan, Sam Peckimpah e Samuel Fuller, Robert Altman e Martin Scorcese -- para além do cinema e da condição de americanos, por naturalidade ou adopção? Que pontos de contacto existem entre John Steinbeck, Dashiell Hammet e Jack Kerouac -- apesar do destino comum de diferentes escritas na Norte-América? E em Woody Guthrie e Bob Dylan, Elvis Presley e Eddie Cochran, John Fogerty, Neil Young e Tom Petty, trovadores e heróis da guitarra do folk-rock no Novo Mundo? Correspondem todos e cada um a uma certa ideia que fazemos da América -- e todos eles (e mais alguns), uma e outra vez, foram trazidos à baila de cada vez que um crítico se referiu ao trabalho do Boss.
A música de Springsteen, compromisso entre a tradição guthriana de intervenção e o rock and roll expressão do som e da fúria, é autêntica e viril. Expressões como «realismo social» (David Sinclair, Rock on CD, Greenwich, 1995) podem aplicar-se-lhe perfeitamente; e talvez o melhor exemplo seja este disco, de 1978, editado entre o também ele admirável Born To Run (1975) e o excessivo, e quanto a mim, parcialmente falhado The River (1980).
As palavras, nunca são despiciendas neste autor. Em Darkness on The Edge Of Town estamos em pleno imaginário norte-americano: os grandes subúrbios pejados de rebeldes desenquadrados (Badlands, you gotta live it everyday, / Let the broken hearts stand / As the price you've gotta pay, / We'll keep pushin' till it's understood, / And these badlands start treat us good -- «Badlands»); as autoestradas dos convertibles, do on the road, coast to coast (On a rattlesnake speedway in the Utah desert / I pick up my money and head back into town /Driving cross the Waynesboro county line / I got the radio on and I'm just killing time / Workin all day in my daddy's garage / Driving all night, chasing some mirage / Pretty soon littke girl I'm gonna take charge. -- «The Promised Land»); as fábricas e o struggle for life do operariado, certas composições de Springsteen transportam-nos para uma atmosfera pré-New Deal... (End of the day, factory whistles cries, / men walk through these gates with death in their eyes, / And you just better believe, boy, / Somebody's gonna get hurt tonight, / It's the working, the working, just the working life. -- «Factory»). O «vício estético» de Springsteen -- na feliz expressão de Laurent Chalumeau, crítico da Rock & Folk -- está também presente em textos de pulsão erótica (I've been working real hard, trying to get my hands clean, / Tonight we'll drive that dusty road from Monroe to Angeline, / To buy you a gold ring and pretty dress of blue [...] -- «Prove It All Night». «Noite» e «trevas» são presenças constantes na estesia springsteneana. Numa das faixas mais interessantes do álbum, «Candy's Room», a tensão inicial da música atinge os limites do suportável na voz cava e espectral de Springsteen, acompanhada apenas das percussões do piano e dos pratos da bateria (In Candy's room, there are pictures of her heroes on the wall, / But to get to Candy's room, you gotta walk the darkness of Candy's hall [...]), tensão abafada até à explosão da guitarra, seguida da dos tambores.
Muito bem acompanhado pela E Street Band, com destaque para o saxofonista Clarence Clemons e o pianista Roy Bittan. Steve Van Zandt surge como segundo guitarrista, em apoio do Boss. «Adam raised A Cain» e «Candy's Room» são dois exemplos de como o álbum está bem servido neste capítulo.
Um verdadeiro clássico, em suma.