Longe da capela real e do recém-construído teatro estavam a nascer formas diferentes de música que nada deviam às árias e polifonias europeias. Ouviam-se no coração da cidade, quando equipas de escravos cantavam para aliviar os seus fardos, enchendo o ar húmido e quente com cadências africanas que lançavam raízes num novo continente. Os cânticos eram desprezados pelos portugueses poderosos como ordinários, talvez mesmo perigosamente ordinários. Mas foi este conjunto de ritmos distintos que, com o tempo, evoluiu para se tornar em algo muito mais importante do que as dispendiosas imitações europeias que a corte trouxera consigo. Muito depois de o impacto de D. João e da sua missão civilizadora se ter desvanecido, a paisagem cultural da cidade continuaria a exibir o inconfundível cunho da sua alma afro-brasileira.
O Império à Deriva -- A Corte Portuguesa no Rio de Janeiro 1808-1821(tradução de António Costa)