Assis Esperança, O Dilúvio, Sociedade Contemporânea de Autores, Lisboa, 1932. Inclui as narrativas breves «O senhor Morgado-Martins», «Uma aventura peregrina», «Três aspectos e uma só personagem», «O homem que perdeu o passado» e «O dinheiro».Contos contra a quietação e a indiferença, o egoísmo e a pulsão interesseira: «Pertencem ao número dos inconscientes que se entregaram à mercê da corrente, as personagens destas novelas.» (da «Introdução»). Desfile de caracteres a quem a vida interpela: simples e ingénuos caídos nas armadilhas urdidas por outrém, fura-vidas que tiram partido da cupidez dos que com eles interagem, hipócritas prontos a trocarem os alegados padrões morais por bens bem mais materiais, preconceituosos que sacrificam à conveniência social a felicidade possível, derrotados que em vez do impulso libertário e libertador se quedam pela resignação amarga.
Personagens como o Sebastião Rodrigo de Melo e Castro, o fidalgo algarvio de velha cepa de «Uma aventura peregrina», ansiando pela tranquilidade que lhe permitem os rendimentos da venda das terras na província natal e no Alentejo para se dedicar ao estudo do árabe, o verdeiro interesse da sua vida; ou Rui de Albuquerque, ausente no estrangeiro por seis anos, vindo a encontrar família e amigos outros que não os deixados quando da expatriação, introduzindo nele próprio um factor de estranhamento, são figuras psicologicamente encorpadas. Estamos no mesmo ano do Elói ou Romance numa Cabeça, de João Gaspar Simões e na década do Jogo da Cabra Cega (1934), de José Régio. Ver-lhes as aproximações e as distâncias seria um exercício curioso.
A capa, com um Noé macróbio e bicharada da criação em arca de proa bem lusitana, é de Roberto Nobre e ilustra a magnífica introdução de Esperança.