Trindade Coelho, Os Meus Amores, Publicações Europa-América - Livros de Bolso, 3.ª edição, Mem Martins, s. d.Livro de 1891, escrito por um fugaz homem de letras, magistrado de profissão, contemporâneo relacional de Camilo Castelo Branco -- que, de certa forma, o apadrinhou -- e de outros nomes da arte oitocentista, a quem dedica algumas das 23 narrativas que o volume encerra: Fialho de Almeida, Alberto Braga, Rafael e Columbano Bordalo Pinheiro, Emídio Navarro, António de Albuquerque, Conde de Arnoso, Carolina Michaëlis de Vasconcelos.
Tenho dúvida se a leitura de Os Meus Amores, no seu conjunto, será ainda apelativa. É-o certamente para quem não dispense um estilo ao mesmo tempo correcto e enxuto, sem autodeslumbramentos nem exibições gratuitas de virtuosismo. Neste caso, o livro de Trindade Coelho terá sempre de ser tido em conta. Mas eu sinto-me um pouco dividido, pois se, enquanto leitor, não dispenso o estilo, o grande estilo, quero sempre algo mais; e Os Meus Amores, usando-se de um realismo puro (isto é, sem carregar demasiado nas tintas -- embora já depois de ter escrito esta nota, numa sessão de um clube a que pertenço tenha sido dito que há uma excessiva idealização do campo, no que estou de acordo, o que torna o meu realismo puro de atrás num realismo deslavado por tintas mais suaves...), (Os Meus Amores, dizia) corre o risco de, mais de cem anos depois da primeira edição, ser apreendido essencialmente como texto documental, o que é pernicioso para uma obra de arte. A verdade é que muitos destas narrativas tratam dum país que já não existe, duma sociedade que desapareceu e formas de pensar que, teimando em subsistir em alguns buracos espalhados por aí e nos buracos de algumas cabeças que vão circulando, estão irremediavelmente condenadas pela sociedade moderna e mediática em que vivemos -- gostemos ou não queiramos --, em todas as aldeolas e lugarejos, de norte a sul.
Este o aspecto que, em meu entender, mais fragiliza o livro, hoje. Mas, por outro lado, surge um conjunto de contos que espelha os sentimentos humanos de todas as épocas: o amor, o remorso, a abnegação, a culpa, o altruísmo -- a vida e a morte. Aí, Trindade Coelho chega a ser grande. «Vae victis!» (pp. 175-179) é uma pequena jóia, com a sua toada inexorável: Luísa, a jovem que perde a inocência quando Tóino lhe pergunta, como se estivesse a pedir as horas, se eles relógio usassem...: «- Dás-me um beijo, Luísa?» -- deixando a pobre pequena num turbilhão emocional. Ao longo das breves cinco páginas por que se estende o conto, a pergunta faz-se onze vezes, dez das quais ressoando a cabeça de Luísa, numa cadência irreversível, que se esfuma quando ela se entrega e lhe entrega o beijo. Uma pequena obra-prima do conto português, indispensável em qualquer antologia que dele se faça, e que, com mais uns quantos, resgatam o livro dum esquecimento a que poderia estar votado, sem o merecer.