CANÇÃO MONÓTONA
Monotonia
Sempre a imagem das cousas que nos pesa...
A mesma cor vermelha da Alegria,
O mesmo claro-escuro da Tristeza...
Sempre, no mesmo corpo, a mesma doença: a vida!
Sempre a mesma elegia, em sílabas de mágoa...
Sempre o mesmo perfil de serra empedernida,
Onde o Inverno, a chorar, desenha espectros de água.
Bocas sempre de tédio a envenenar o mundo...
Uma noite perpétua, emudecida e calma...
Negro pego de lágrimas profundo,
Estagnação da Dor em ermos longes de alma...
A memória em planície estéril e deserta.
Ouvir, durante o dia, o choro duma fonte...
Sempre a mesma janela, eternamente aberta,
Sobre o mesmo horizonte...
Nos olhos, sempre a mesma indefinida imagem...
Sempre a mesma roseira a florescer por mim...
Sempre o mesmo silêncio, em formas e paisagem;
Ave sempre a cantar, manhã de sol sem fim!
Um perpétuo sorriso, à flor do mesmo rosto...
Num gélido cristal, a mesma face absorta...
Sob um eterno sol-posto,
Eterna planície morta...
Em sons de espuma e névoa, a eterna voz do Mar,
A morrer, a viver nos areais de além...
Um eterno sepulcro, à luz de eterno luar...
A mesma vida,em nós vivida por ninguém...
Constante calmaria, eterno mar parado...
Este íntimo Alentejo em que se perde a gente...
Em nosso próprio ser, o Tempo desmaiado...
O mesmo, o mesmo, o mesmo, em nós, perpetuamente!
Terra Proibida / Antologia Poética(edição de Francisco da Cunha Leão e Alexandre O'Neill)