É tarde já, vão sendo horas -- horas de quê? De nada. De existir. De olhar ainda a luz, a vida. De absorver em mim o universo e levá-lo comigo sem nada desperdiçar. De exercer o ouvido enquanto ouve, os olhos, o corpo inteiro, para que nada fique dele sem se cumprir. De encher os bolsos de tudo o que se me dá ou sonhar mesmo o que não me deram e não deixar perder nada por distracção. De dizer a palavra vida e tudo nela florir logo na sua existência para levar comigo essa vida inteira e tê-la comigo na morte.
Vergílio Ferreira, Escrever (edição de Helder Godinho)