À superfície, um livro de histórias, de estórias, engraçadas umas, dramáticas outras; hilariantes muitas, trágicas também. Mas a genialidade de Jorge Amado neste largo conjunto de memórias para um livro que nunca escreverá, no limiar dos seus 80 anos, reside nisto: o que em muitos casos parece ser ligeiro, é, na verdade, um extraordinário repositório de humanidade. Todas as paixões estão aqui, o que não se estranha em quem soube erguer mundos com paixão viril, mais preocupado com a essência, com o sangue, e menos com as «merdolências» das literatices. E fazê-lo com a aparente simplicidade que nos leva a ler estas notas com a voluptuosa gula de quem vai retirando do cacho uva da melhor colheita, só os grandes autores o alcançam.
Ficha: Jorge Amado, Navegação de Cabotagem, Publicações Europa-América, Mem martins, 1992. 574 págs.
Incipit: As notas que compõem esta navegação de cabotagem (ai quão breve a navegação dos curtos anos de vida!), à proporção que me vinham à memória, começaram a ser postas no papel a partir de Janeiro de 1986. Zélia e eu nos encontrávamos num quarto de hotel em Nova Iorque, ambos com pneumonia -- ambos, parece incrível --, febre alta, ameaça de hospital.