A presença verberou a literatura falsificada e a inanidade aflitiva do jornalismo; mas o seu combate tomou também, e essencialmente, uma feição afirmativa. Ao procurarem a autenticidade de artistas na realidade interior, ao pugnarem pelo primado da arte relativamente aos poderes formais e informais, ao defenderem a independência do autor em face de todas as pressões e ao cultivarem um saudável, mas de sua natureza instável, cultura de liberdade e inclusive de contradição, desencadearam uma tempestade que viria a escapar-lhes ao controlo, levando ao afundamento da revista -- essa «catástrofe» de que falou Casais Monteiro (10) --, cujos náufragos emergiriam como grandes solitários («Havia muito já que Robinson vivia / sozinho na sua Ilha; / era um Robinson só, não tinha Sexta-feira.» (11)). Pois se a arte esteve na génese da presença, algo porventura igualmente complexo e mais poderoso contribuiria decisivamente para o seu fim: hoje já é História; ontem era a política, de que alguns nem queriam ouvir falar. Razão porque, em meu entender, o trajecto da presença como fenómeno cultural, e não apenas literário, só poderá ser apreendido se não afastarmos desse percurso as contigências que lhe estiveram sempre a par: ditadura militar, advento e consolidação do Estado Novo, Guerra Civil de Espanha, II Guerra Mundial.
(10) Carta a Alfredo Pereira Gomes, Lisboa, 1 de Maio de 1940, in JL-Jornal de Letras, Artes e Ideias, Lisboa, 25 de Janeiro de 1994, pp. 9-10.
(11) Francisco BUGALHO, «Fábula», presença, n.º 49, Coimbra, Junho de 1937, p. 10.
(continua)