Oh! nobres paços da risonha Cintra,
Não sobre a roca erguidos, mas poisados
Na planície tranquila....................................
A grande questão de jurisconsultos e historiadores sobre se houve ou não nas Hespanhas o sysytema feudal propriamente constituido, talvez em grande parte possa resolver-se pelo estudo e exame dos monumentos de architectura. Quem descendo o Rhim e vendo aquelles tam ricos e pitorescos montes coroados de castellos senhoriaes ainda ouriçados d'ameias e bastiões -- quem não dirá: «aqui dominou o Feudalismo em toda a sua plenitude?» -- Mas o que visitar as aridas serranias, as florentes veigas de Portugal e Hespanha, e vir coroadas as suas alturas de esmoronadas fortificações moirescas, e o paço do nobre, o mosteiro do religioso, o casal do lavrador, a choupana do pegureiro todos egualmente espalhados pela aba da serra, ao longo do valle, e sem mais distincção, apenas differentes nas proporções ou no gosto do edificio -- esse dirá necessariamente: «Aqui um povo de irmãos se uniu para expulsar o dominio africano; de um para outro não havia servidão nem senhorio, nem mistér de castellos e pontes lavadiças: destruiram o inimigo comum e ficaram vivendo em paz, com muito o que muito tinha ou adquiriu, com pouco o que tinha pouco; mas não houve raça privilegiada e exclusiva de possuidores do seu -- raça exclusiva de trabalhadores no alheio.»
O estudo das artes é de mais auxilio á sciencia, do que talvez ella cuide em seu orgulho.
Camões (nota ao Canto Sétimo)