Dantes, cantei o amor, à luz do dia;
A mística saudade, à luz da lua
Que povoa de espectros a paisagem.
Cantei os anjos e os demónios. Vi
Manar de etérea fonte a madrugada
E vi descer a noite sobre o mundo.
Interroguei a sombra do Marão,
A neblina sonâmbula do Tâmega
E os ermos pinheirais, ao pôr do sol.
Vi, quando era criança, a Primavera.
Passou por mim, num lampo de alegria,
E em mim deixou não sei que imagem triste...
Vi ressurgir os mortos que forçaram
A tampa dos sepulcros, e fiquei
Louco de espanto e doido de terror!
E divaguei na lua, a falar só...
Nas solidões da lua, onde o silêncio
É mais pesado e negro que os rochedos.
Divago no deserto... e vou cantando,
Em fria voz de empedernido som
Que se desfaz em choro, como aquela
Carranca de granito a deitar água.
Cânticos / Antologia Poética
(edição de Francisco da Cunha Leão e Alexandre O'Neill)