letras, sons, imagens -- revolução & conservação -- ironia & sarcasmo -- humor mau e bom -- continua preguiçoso
16
Jun 06
publicado por RAA, às 22:35link do post | comentar


O episódio de ontem do interessantíssimo documentário sobre Álvaro Cunhal recordou-me o rosto humano de Alexandre Dubcek, um dos meus heróis da adolescência.

14
Jan 06
publicado por RAA, às 13:54link do post | comentar
Em primeiro lugar, Jerónimo a embalsamar a memória de Cunhal, a torná-lo numa espécie de Sãozinha laica. É o sectarismo em toda a sua irredutibilidade.
Depois, o boçal aparelho do PS a utilizar uma viúva para coagir uma campanha eleitoral. É o oportunismo em toda a sua mediocridade.
Finalmente, o cadáver adiado do trotsquismo a tentar assassinar a imagem do candidato, com a história da campanha dos cemitérios e das estátuas. Algo que sempre se fez, que está inscrito na memória cívica da luta republicana e da resistência à ditadura, aproveitado pela política fácil e palhaça do Francisco Anacleto Louçã, um vazio político sem a coragem das convicções -- ao contrário dum Garcia Pereira, honra lhe seja.

16
Out 05
publicado por RAA, às 16:23link do post | comentar
Tendo, em parte dos seus livros, o povo como tema, não o povo pitoresco, mas indivíduos pertencentes a determinados grupos sociais desfavorecidos, do emigrante ao seringueiro, da bordadeira ao contrabandista, passando pelo marçano, o pastor ou o operário têxtil, Ferreira de Castro foi o primeiro grande escritor içado do proletariado a operar uma transformação na perspectiva ideológica duma cultura, conseguindo, dessa forma, inscrever o seu nome individual no património literário nacional comum -- o que, convenhamos, não é pequeno feito.
António José Saraiva sustentou que ele «é o primeiro escritor português que não usa gravata.» (Iniciação na Literatura Portuguesa, Mem Martins, p. 158). Isto, que é um altíssimo elogio num país de literatos amanuenses, não significa a ausência de um apuro formal mais do que apropriado à intenção que ele tinha de comunicar-se intensamente. Tal como Régio, ele sentia-se acima de tudo escritor, e via as suas ideias veiculadas pelos livros como formas de servir a arte, e não o contrário... Lembremos as passagens avassaladoras sobre a floresta amazónica em A Selva, as cumeeiras do Barroso em Terra Fria, a tempestade, em A Lã e a Neve, os intensos diálogos interiores em A Curva da Estrada ou em A Missão, a investida dos índios ao acampamento de Nimuendaju em O Instinto Supremo, o primor dos textos memorialísticos, entre outros. Como escreveu Manuel Rodrigues Lapa, na sua clássica Estilística da Língua Portuguesa (4ª ed., Coimbra, p. 124), Castro é «um dos nossos mais elegantes prosadores».
Façamos também aqui um parênteses a propósito de um qualificativo que se tem colado a Ferreira de Castro, que de tão repetido se tornou num lugar-comum. A designação costumeira de «precursor do neo-realismo». No contexto nacional ela é imprecisa e irrelevante. Porque ou há várias maneiras de entender o neo-realismo, em que está sempre subjacente um conflito, um desajustamento social, a luta de classes, uma «tensão de devir», como diria Mario Sacramento, ou o neo-realismo tem de ser visto como a expressão artística de um desígnio político, que é o estar pelo menos de acordo com as posições do PCP sobre os diversos domínios em que a vida se exerce. Num contexto lato, direi, então, que Castro foi talvez o primeiro escritor neo-realista português , e não apenas um precursor; se o entendimento for restritivo, Castro que sendo um comunista libertário, um anarquista kropotkiniano, nunca quis pertencer ao PCP, não é neo-realista, nem precursor do neo-realismo, nem o seu romance A Lã e a Neve, que muitos costumam referir como uma das obras referenciais desta corrente, a começar pelo próprio Álvaro Cunhal, pode, desta forma emparceirar com Fanga, de Alves Redol, ou os Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes.
Claro que isto se prende com a matriz ideológica do escritor, essencial para o percebermos, e aos seus livros.
Como disse inicialmente, Castro foi um libertário, um anarquista. O que distingue os anarquistas de outros sectores revolucionários da esquerda é a sua resistência a tudo o que possa restringir a condição livre do ser humano, a única que lhe é natural. E esse tudo manifesta-se nas formas corecivas de organização social, cuja expressão última é o Estado, mas também nas organizações «adjacentes»: igrejas, forças armadas, partidos políticos, tudo enfim, que de alguma forma possa coarctar a expressão da individualidade. Daí que, regra geral, os anarquista se associem por grupos de interesses sócio-profissionais, tendo sido precisamente na área sindical que registaram maior êxito organizativo.
Mas culturalmente também, o anarquismo foi muito forte entre nós, durante a I República. Está ainda por conhecer por dentro o grupo de intelectuais que se exprimia em jornais como o Suplemento Literário Ilustrado do diário A Batalha, a revista Renovação e também o histórico semanário O Diabo, escrito e dirigido pelos anarquistas do grupo de Ferreira de Castro: Julião Quintinha, Jaime Brasil, Assis Esperança, Roberto Nobre, Mário Domingues, Nogueira de Brito, Pinto Quartim e vários outros.
(continua)


(rectificado em 18-X-2005)

05
Jun 05
publicado por RAA, às 16:30link do post | comentar
A propósito da leitura dos dois ensaios que compõem o voluminho Sobre o Romance Contemporâneo, publicado em 1940 e redigido um par de anos antes, na prisão:
Casais Monteiro, um poeta menor, foi um excelente ensaísta, dos melhores do seu tempo. Havia então uma querela entre a chamada literatura humanista, neo-realista, que tinha os mais estrénuos defensores em Mário Dionísio e Álvaro Cunhal e, doutra parte, aqueles que, acusados de «psicologismo», elitismo e até de desumanidade -- porque não punham os problemas materiais do homem na primeira, ou na segunda, linha das suas preocupações enquanto artistas -- gravitavam em torno da revista presença. A história veio dar razão a Casais, a Régio e a Gaspar Simões, directores da folha coimbrã, não porque o outro lado não tivesse autores de primeira água, que os tinha, simplesmente porque o que sobrevive hoje dessa literatura tem que ver com questões de todas as épocas: por um lado, o homem visto como um problema total, não só material mas também espiritual; por outro, os aspectos da técnica literária, principalmente narrativa, que uma boa parte dos escritores política e/ou socialmente empenhados dominavam muito bem. A querela aludida acima, se hoje (nos) é risível, causou então fortíssimas polémicas, interessantíssimas historicamente, mas que actualmente seriam, mais do que intoleráveis, ridículas...

16
Mai 05
publicado por RAA, às 02:55link do post | comentar
O jovem desaparecera por uma porta ao fundo, que rangera empenada. A velha adormecera encostada à mesa. Junto à máquina de costura, voltada agora para a luz, a outra mulher costurava em silêncio. André não conseguia distinguir-lhe o rosto. Apagada na sombra do lenço, só de quando em quando lhe dava com os olhos a luzir na sua direcção, para logo fugirem de novo. Retinha a ideia do rosto da mulher desfigurado pela cólera e sentia o vago desagrado de estar a seroar com uma megera. Apenas as mãos da mulher o surpreendiam. Eram umas mãos mimosas e claras, cujos dedos se moviam, despertos e hábeis, na costura.
Cinco Dias, Cinco Noites

publicado por RAA, às 02:44link do post | comentar
Aliás, Álvaro Cunhal Posted by Hello

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