O SONHO SEM DESTINO
Se os caminhos são breves
e os dias tão compridos,
e as tuas mãos mais leves
que a espuma dos vestidos;
se é de ti que me ondeia
uma brisa subtil...
E a vaga diz: -- Sereia!
E o sonho diz: -- Abril!
Se cresces e dominas
os campos que acalento,
e inundas as colinas
de fontes que eu invento;
se tens na luz dos olhos
o misterioso apelo
das cidades de fogo,
das cidades de gelo;
se podes bem guardar
na tua mão fechada
o meu altivo Tudo
e o meu imenso Nada;
se cabe nos meus braços
a bruma que tu és,
e em algas e sargaços
te abraço nas marés;
se, puro, na presença
da nossa grande Casa,
pões na voz de horizonte
um lume de asa e brasa.
Não sei porque te sonho
na sombra matinal,
e ao meu lado te vejo,
real e irreal.
Sabeis -- adaga fria,
que ao meu peito cintilas --
onde se oculta o dia
das aragens tranquilas?
Se tudo sabes, mata
com dedos de oiro fino,
ou com gume de prata,
o sonho sem destino!
Anel de Sete Pedras
In Ana Hatherly, Caminhos da Moderna Poesia Portuguesa