letras, sons, imagens -- revolução & conservação -- ironia & sarcasmo -- humor mau e bom -- continua preguiçoso
03
Mar 12
publicado por RAA, às 17:04link do post | comentar
Há cerca de 25 anos, em conversa com Franco Nogueira -- que antes de ser conhecido como ministro dos Negócios Estrangeiros de Salazar e, posteriormente, seu biógrafo, fora crítico literário --, o ex-embaixador deu-me a sua opinião sobre Jorge Amado: grande escritor a partir de Gabriela, Cravo e Canela, antes disso um panfletário. É verdade que Gabriela é um livro charneira. Militante do PC brasileiro, esse comprometimentos era evidente em livros como Seara Vermelha ou Os Subterrâneos da Liberdade ( último escrito em simultâneio com O Mundo da Paz, essa sim, uma obra de pura propaganda, de que falarei em breve).
Nunca li Os Subterrâneos, ao contrário de Seara Vermelha (ver aqui). Mas é para mim inegável que narrativas como Jubiabá, Mar Morto, Capitães da Areia ou Teras do Sem Fim são obras-primas da literatura comprometida e, só por si, fariam de Amado um autor de primeira grandeza.
O mesmo se passa a partir do referido Gabriela, Cravo e Canela, deste Dona Flor, de os Velhos Marinheiros ou Tenda dos Milagres, entre (muitos) outros. Para os admiradores do Jorge Amado escritor militante, este ter-se-ia aburguesado; para o dos escritor tout-court, o baiano subia um novo patamar na obra romanesca, igualmente artista, igualmente consciente da sociedade que era a sua, mas romancista mais encorpado e mais completo. É um engano pensar que o Jorge Amado de 30 e 40 é diferente do de 60 ou 70, no que respeita à elevada noção que tem do seu ofício de escritor. É, porém, um autor mais livre, menos espartilhado pela canga partidária de que felizmente se libertou.
Dona Flor e Seus Dois maridos (1966) nessa Baía de todos os santos, agora a pequena pátria de Caetano Veloso e Gilberto Gil, por um escritor que nunca foi engravatado, mas agora, menos que isso: é o Jorge Amado de bermudas e sandálias que, sem esquecer este mundo desequilibrado que é o nosso, celebra, com a morte do protagonista masculino, a alegria de se estar vivo.
incipit: Vadinho, o primeiro marido de D. Flor, morreu num domingo de Carnaval, pela manhã, quando, fantasiado de baiana, sambava num bloco, na maior animação, no Largo Dois de Julho, não longe de sua casa. Não pertencia ao bloco, acabara de nele misturar-se, em companhia de mais quatro amigos, todos com traje de baiana, e vinham de um bar no Cabeça onde o whisky correra farto à custa de um certo Moysés Alves, fazendeiro de cacau, rico e perdulário.
Jorge Amado, Dona Flor e Seus Dois Maridos, Publicações Europa-América, s.l., 1966.
Capa: desenho de Floriano Teixeira
1.ª edição portuguesa: 6000 ex.

20
Abr 11
publicado por RAA, às 20:58link do post | comentar | ver comentários (2)
Um post da Ana Paula Sena Belo suscitou-me este alinhavo:
Tenho por adquirido que quanto mais instáveis são os tempos, mais necessário se torna fazer uso da razão. A Europa, na década fatídica 1929-1939, deixou-se toldar pela irracionalidade. Mas houve povos (e líderes políticos cheios de defeitos) que se mantiveram razoáveis e lúcidos: os povos do Norte da Europa. E líderes:  de Churchill -- o homem certo na hora certa -- ao rei Haakon VII, da Noruega (ocupada pelos alemães), que ostentava à lapela a estrela de David, solidário com os seus concidadãos judeus. É evidente que também houve líderes do outro lado detentores de grande frieza (Stálin) e frio e competente discernimento (Salazar). Mas para estes não havia cidadãos, mas uma massa que era necessário enquadrar e tutelar.

07
Jul 06
publicado por RAA, às 20:00link do post | comentar | ver comentários (2)
se o Salazar e o Franco, porque combatentes do comunismo, foram também defensores estrénuos dos valores católicos, como quis esta semana um deputado polaco ao Parlamento Europeu.

09
Abr 06
publicado por RAA, às 16:33link do post | comentar | ver comentários (4)
Paris
Meu querido amigo:
Aqui cheguei depois de uma passagem na Bélgica verdadeiramente arrasadora -- mas consoladora. Estava eu habituado, no estrangeiro, a ver o meu país tratado sempre em «quantité négligeable» e a minha qualidade de português olhada com uma vaga ironia com que se olha para os siameses ou para os malgaches.
E tive agora a grande sensação de orgulho ao ouvir o nome de Portugal tratado com carinho e de ver o representante do seu governo respeitado, acolhido com simpatia: neste momento acabo de receber um telegrama da rainha da Bélgica, assinado «Elisabeth» simplesmente, antiprotocolar mas encantador, revelando, sob um pretexto banal, a maior simpatia e consideração pelo país.
Meu querido amigo: se não fosse a sua admirável actuação, o país não teria nunca chegado a esta altura. Não resisto a mandar-lhe daqui a expressão do meu entusiasmo pela sua obra e do meu comovido agradecimento. Todas as grandes homenagens de que vi cercado o meu país -- foi V. Ex.ª que as ganhou e mereceu. A minha acção pessoal ante grande triunfo foi pequena: e nenhum efeito teria se os anos de administração e trabalho que V. Ex.ª tem desenvolvido não existissem. É isto que eu não posso esquecer.
Hoje o marechal Lyautey oferece, em sua casa, um chá particular para nos apresentar aos seus amigos. Isto é significtaivo: ao fazer o convite disse-me: só para si e sua mulher, porque eu quero marcar bem, além da minha amizade pessoal, a minha grande simpatia pelo seu governo; por isso não quero a comitiva.
Amanhã, presido, com o marechal, a uma conferência de João de Almeida, na Sociedade de Geografia. Pensei que era interessante ficar estes dois dias ainda para estes efeitos, embora as autorizações de viagem se tenham acabado já. Mas isso é assunto que terá de ser regularizado depois.
Não posso contar-lhe aqui miudamente tudo o que aconteceu na Bélgica -- onde foram feitas declarações cheias de interesse para o país mas onde eu não passei de fórmulas banais de amizade -- mas verá que realmente os efeitos da sua política chegaram longe, quando lho contar. O ministro das Colónias belgas, no banquete oficial, levantou o seu copo pelo meu eminente Presidente do Conselho -- le Doctor Salazar.
Enfim -- pessoalmente estou arrasado e arruinado. Tenho de sofrer uma intervenção cirúrgica quando aí chegar -- já a devia ter sofrido, mas não tenho tido um minuto e isto exige três dias de cama, apesar de não ter importância. Mas tem-me feito passar maus bocados.
Um grande e afectuoso abraço, com todos os agradecimentos e homenagens do
Armindo Monteiro
Correspondência Política -- 1926-1955
(edição de Fernando Rosas, Júlia Leitão de Barros e Pedro de Oliveira)

publicado por RAA, às 16:32link do post | comentar | ver comentários (3)

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