letras, sons, imagens -- revolução & conservação -- ironia & sarcasmo -- humor mau e bom -- continua preguiçoso
18
Set 12
publicado por RAA, às 00:28link do post | comentar

da "Nota à 4.ª edição":

*A assunção de uma qualidade particular de romancista: a de «biógrafo [...] das personagens que não têm lugar no mundo».


* O volte-face de um percurso marcado até aí pela perseguição do exotismo e pelas proclamações libertárias para algo de mais profundo e essencial: a busca da dignidade do Homem e de todos os homens, a condição simultaneamente de fragilidade e audácia prometeica que caracteriza o indivíduo ao longo dos tempos. 
* Ter na mão a edição princeps  (1928) e perceber e sentir o que de inaugural teve aquele romance para toda uma literatura que viria a florescer na década de 1940, o neo-realismo, imune, porém à moléstia do sectarismo, armadilha em que caíram outros mais novos do que ele.
* O título, nome colectivo, Emigrantes.

* Romance português mais morto que vivo nesse final de década: naturalismos tardios, pitorescos gastos. Sobravam Aquilino, com muito ainda para dar; Brandão, às portas da morte, de obra rematada e memórias deixadas à posteridade; Teixeira-Gomes, o hedonista exilado e livre, ressurecto para a literatura. O romance psicologista -- que nunca foi estranho à narrativa castriana -- da presença, o Elói de João Gaspar Simões, o notável Jogo da Cabra Cega, de Régio, aguarda(m) vez.

23
Jul 12
publicado por RAA, às 01:17link do post | comentar

Na obra de Aquilino Ribeiro vivem os camponeses e os citadinos, os frades maganões e os arrieiros, os mestres de obras e os homens do foro ou da arte de curar, os políticos trocatintas e os jornalistas de nariz no ar a farejar a notícia só pelo prazer de meter a colherada em seara alheia; mas essa obra sólida, viva, duradoira só é possível ter a vida que tem e as formas que lhe deram graças ao lastro de cultura que o seu autor absorveu e foi sempre aumentando, à medida que os anos passavam e as ciências e as letras iam avançando.

 

Raul Rego, Aquilino Ribeiro, Cadernos F.A.O.J., s.d. 

imagem


18
Abr 06
publicado por RAA, às 22:26link do post | comentar
ARRAIAL

A AQUILINO RIBEIRO


Noite de S. João. Oiço os descantes
dum baile popular. Ao alto, a lua,
lindo balão, sobe no céu, flutua
sobre a cidade. Enlaçam-se os amantes

na volúpia da noite. Estralejantes,
cada foguete é uma espada nua,
risca no ar gestos de luz. A rua
é um bazar de anseios perturbantes.

Jovem, de branco, um marinheiro leva
pelo seu braço uma gentil pequena,
também de branco. E somem-se na treva...

Há bailes de bebés pelos terraços.
E eu volto a casa só, cheio de pena,
trazendo um sonho morto nos meus braços.

Tômbola

02
Abr 06
publicado por RAA, às 16:09link do post | comentar
Querido Amigo:

F.º de Peniche
28.VIII.40

Homem! há muito que me não acontecia ler um livrinho, de cabo a rabo, sem outras interrupções que não fossem as da minha nova disciplina de presidiário. E esse foi o volume que V. teve a gentileza de enviar-me sobre o Eça.
Comecei-o a ler à tarde, ou melhor à tardinha, e às 10 horas da noite ainda o lia com sofreguidão, quando a mão da Autoridade, girando o comutador, ceifou o enlevo com que saboreava a sua leitura. Hoje, mal luziu a alva, e a corneta me sacudiu da tarimba, foi para lavar o focinho estremunhado, e continuar o regalo da véspera.
V. foi digno do assunto. E dito isto, estaria dispensado de dizer mais nada, se não quisesse salientar virtudes e... apontar um erro. Primeira virtude: o desassombro. Segunda: o alto e distante lugar que dá ao Antero.
Eu desconhecia o episódio da correspondência com o Ramalho sobre o pedido de intervenção junto do Andrade Corvo. Arre! Foi um acesso pernicioso duma doença que nele era endémica: a frouxidão do carácter. Mas, nem assim! Não há maneira de deixarmos de adorar o canalha!
E verdadeiramente V. leu a alma do Eça com virtuosidade rembrandesca. Pesou até ao miligrama o claro-escuro. Virtude, aliás, queirozeana.
Excelentes as páginas em que evoca a Coimbra do nosso tempo. Se o Aquilino a tivesse frequentado e tentasse descrever, meteria «aldemenos» mais arcaísmos, mas não o faria melhor, com mais vivida reflexão dos sentidos. Uma única coisa lhe levo a mal: que não houvesse uma boa e larga referência a certas das «Cartas de Inglaterra», que, algum dia, na balança do Juízo Final, hão-de pesar, em seu favor, para resgate do seu scepticismo elegante, ladeira por onde resvalou às graves defecções.
Finalmente, a leitura do seu livrinho teve sobre mim efeitos tónicos. Andava caído do físico e da alma. Uma crise hepática e outra palustre conspiraram, conjugando-se, para me abater.
Sinto-me hoje melhor. E em grande parte o atribuo à leitura do livrinho: a essa janela aberta sobre as grandiosas e belas paisagens, onde nos viamos. Principalmente, o ar vivo que sopra das eminências do Antero fez-me bem. É bom sentir a camaradagem dos Santos.
E agora um pedido. Mais um, além do pedido dos trapos e com o mesmo fim. Entre as excelentes obras da Seara, contam-se os seus Cadernos de Estudo e Textos. Ora eu desejava socorrer a indigência dos companheiros, que me deram, não só em indumentária, mas na cultura. Estou-lhes a fazer um curso de História Pátria. Quero, além disso, fornecer leituras elementares, de selecção, a alguns deles, dotados de vivacidade e avidez intelectual.
Naturalmente, também desejo alguns para mim. Começarei por estes e pela oredem da sua urgência:
Crónica de D.
(Parece-me melhor mandar a lista à parte)
-- Crónica de D. João I (Lapa)
-- Líricas de Camões (Lapa)
-- Sobre História e Historiografia (Sergio)
-- O Cosmopolitismo de D. de Gois (Bataillon)
-- História de uma Catedral (Barreira)
-- Duas formas de expressão opostas na hist. da Arte (Jirmounsky)
Estes lhe rogo me envie pelo correio ou, se minha Mulher vier breve, por ela.
Quanto aos outros, enviarei amanhã a lista (bem mais numerosa) e rogo-lhe os faça entregar a minha Mulher.
Os primeiros meta na minha conta... Os segundos meto-os eu na sua, já que são para obras pias, daquelas que contribuem para a salvação das almas.
Cá estou esperando as provas da «Economia da Restauração». Conto enviar ainda um pequeno mapa à pena, para ilustração do primeiro texto.
Os meus repeitos a Sua Esposa e Sogra, minhas Senhoras.
Um grande abraço do amigo mt.º grato
Jaime Cortesão
13 Cartas do Cativeiro e do Exílio
(edição de Alberto Pedroso)

26
Mar 06
publicado por RAA, às 16:28link do post | comentar
INCONSTÂNCIA

A Aquilino Ribeiro


Tenho, às vezes, vontade de deixar-te.
E tenho, às vezes, medo de perder-te.
Não sei, às vezes, se hei-de abandonar-te,
Não sei, às vezes, se hei-de mais prender-te.

Por mais que queira, às vezes, esquecer-te,
Por mais que entenda, às vezes, ignorar-te,
Sinto o desejo enorme só de ter-te
Junto de mim na ânsia de abraçar-te.

Por mais que feche os olhos p'ra não ver-te
Ainda te encontro mais por toda a parte,
Tenha embora vontade de esconder-te.

Vivo nesta tortura de buscar-te,
Nesta inconstância atroz de não querer-te,
-- Meu fugidio sonho da minha Arte.

Primavera Voluptuosa

14
Out 05
publicado por RAA, às 23:15link do post | comentar | ver comentários (3)
Tão calão, meu deus, e estupidamente distraído, que não tive a sensatez de escrever as duas linhas que se me impunham sobre o Jorge Reis, há dias enterrado no Père-Lachaise, e com quem privei várias vezes aqui em Cascais, onde ele tinha uma casa. Que figura!, que histórias!, que cultura!, que vida! O Matai-vos Uns aos Outros, prefaciado pelo Aquilino Ribeiro, é o seu livro mais conhecido, um thriller interessante, a escrita cuidada, noblesse oblige, pois então... Encomendem e leiam A Memória Resguardada (Editorial Escritor): o exílio e a clandestinidade: sobre a nudez forte da fantasia, o manto diáfano da realidade... Jorge Reis (pseudónimo de Atilano dos Reis Ambrósio), militante do PCP nos anos 40, muito indisciplinado ao que parece; sempre compagnon de route; amigo até às lágrimas de Vasco Gonçalves; maçon de grau trinta e... Uma vez convidei-o para falar, numa conferência cá em Cascais, sobre o autor de Andam Faunos pelos Bosques, que ele muito justamente idolatrava. «Paris, berço da língua de Aquilino?», era a pergunta e a tese dessa palestra, noite memorável na velha Torre de São Sebastião (Museu Condes de Castro Guimarães), casa cheia, Aquilino Ribeiro Machado presente, o Jorge Reis a falar sabiamente, apaixonadamente, calorosamente. Durante a conferência tirou uma pequena garrafa de uísque do bolso, e durante toda a sessão, enquanto falava com os circunstantes, tinha-a bem segura nas mãos, despejando de vez em quando o conteúdo no copo destinado à água do Luso.... Esta conferência está publicada, felizmente. O espólio dele -- o Jorge era de Vila Franca de Xira, terra de escritores!... --, espera-se que vá para o Museu do Neo-Realismo, que oportunamente lhe consagrou uma merecida exposição. Lembro-me doutra conferência memorável dele sobre o Dom Quixote, que pelo menos está gravada. Adorava os filetes de pescada do «Correio», na Areia, os melhores do mundo, dizia-me. O Jorge Reis deixou uma grande obra por fazer, notam os comentadores. Em quantidade, certamente. O que se dirá daqui a cem anos do Matai-vos Uns aos Outros e de A Memória Resguardada? Não estaremos cá para ler...

10
Set 05
publicado por RAA, às 13:26link do post | comentar
À Senhora Condessa de N.*** Sobre o casamento duma dama alemã, que se casou com um italiano
Sim, Senhora, o que V. S. ouviu a respeito deste matrimónio é mais que certo. O noivo não fala tudesco, e a noiva não sabe uma só palavra de italiano. O negócio parece curioso, porém, perguntando-me V. S. o que penso dele, digo-lhe que o caso para mim tem pouco de extraordinário.
O amor é o pai de todos os homens, e todos os filhos assim o devem entender. É verdade que o amor ilícito, necessitando nas suas acções de máscara e de disfarce, necessita ao mesmo tempo de saber a língua do país, ou para melhor dizer a da pessoa a quem deseja comunicar-se; porém, quando o amor é conduzido por Himeneu, sem cuja companhia é mal recebido das gentes honradas, basta-lhe deixar-se ver para se fazer entender, e todo o mundo fala por ele. Em qualquer língua que se explique logo se sabe o que procura, e a mulher mais honesta, logo que ele se declara sem crime, o entende.
A razão que há para isto é clara. A linguagem do amor é uma tradição sincera e muito fácil de que a natureza é depositária, e esta não deixa jamais de revelar às mulheres a inteligência dessa linguagem logo que elas necessitam de entendê-la. Além disso o matrimónio tem expressões em que são desnecessários os intérpretes.
Não se admire pois V. S. de que duas pessoas estrangeiras e de uma língua tão diferente se resolvessem a casar, e creia como um artigo de fé natural que nesta qualidade de mistérios todo o mundo fala a mesma língua. Cuidei eu que V. S. sabia que a gente moça, casada, tem seus modos particulares de se entender, independentes de toda a qualidade de línguas que há na terra.
Entre todas as divindades o amor é a única que não mudou de serviço: o seu culto é agora o mesmo que foi no princípio do mundo: ainda se lhe dedicam os mesmos votos, ainda se lhe fazem os mesmos sacrifícios, ainda se lhe oferecem as mesmas vítimas, e quando dois amantes querem assistir juntos a estes mistérios ocultos, cheios do deus que os possui, compreendem em um momento todas as cerimónias e tudo o mais que se pratica em honra sua.
No presente caso não falta quem argumente dizendo: os nossos casados não falam a mesma língua, logo não se entendem. Respondo a isto: que, se se não entendem de dia, se entendem de noite. Dessa forma se entenderão na ametade da sua vida e isso não é pouco para gente casada. Quantos maridos conheço eu e quantas mulheres conhece V. S. que não desejariam mais? É infinito o número de casais que, falando a mesma língua, se não entendem em toda a vida. Tenho para mim que este matrimónio será ditoso para ambos, porém muito mais para o marido, porque, podendo gozar das carícias da noiva, está livre de ouvir despropósitos à mulher.
Corram críticas sobre o noivado, fervam sátiras sobre o casamento, este será sempre o meu parecer. Se V. S. o não aprova, aprove a firmeza, a sinceridade e a veneração com que protesto ser de V. S.
Muito venerador
Viena de Áustria, 30 de Janeiro de 1736.
Cartas
(edição de Aquilino Ribeiro)

mais sobre mim
Novembro 2012
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3

4
5
6
7
8
9

15


25
26
27
28
29
30


pesquisar neste blog
 
blogs SAPO