letras, sons, imagens -- revolução & conservação -- ironia & sarcasmo -- humor mau e bom -- continua preguiçoso
26
Nov 06
publicado por RAA, às 16:33link do post | comentar
Bruxelas, 1.º de Março de 1902
7, rue Zinner
Meu caro Batalha
Você não respondeu à minha carta pedindo-lhe conta dos seus fornecimentos à Gazeta, sem dúvida por não ter tido tempo de descobri-la entre a sua imensa papelada. Não suponho que a sua conferência sobre V. H.* lhe tenha tomado mais tempo do que o necessário para escrevê-la (tive um [?] que facilitava assim estas coisas da escrita). Pela notícia demasiado resumida do Daily Chronicle vi que V. coloca o maior lírico dos tempos todos acima de Shakespeare e de Goethe. Hombre!... Não imagina o gosto que tive em vê-lo assim diante de Ingleses como aos vinte anos diante da Opinião. Se vivesse o nosso pobre Queiroz escrevia-lhe decerto uma carta de quarenta páginas, à pena solta.
Sabe que só agora li o Ramires? E com que ternura acompanhei a formação daquela figura e o processo da escrita, descobri movendo-se por entre as almas tipos, a alma do nosso saudoso amigo. Notou V. como nos seus últimos livros entra a paisagem como elemento de emoção, a paisagem como fisionomia e expressão? Foi depois que ele inventou os adjectivos abstractivos e morais, subjectivos, para as coisas sem alma, a que ele emprestava a sua imaginativa. Dez anos mais e saúde, e o Queiroz romperia as barreiras da língua portuguesa, poeta de peregrina inspiração, ainda mais do que artista, que era o que ele queria ser...
Tinha muita coisa para lhe dizer e de repente secou-se-me tudo. Interrompi-me para receber uma visita, que me ensurdeceu. Fica para outra vez.
Escreva-me. Dê as minhas saudades aos seus e receba um abraço do seu amigo do coração
Domício
In Beatriz Berrini, Brasil e Portugal: a Geração de 70
*Victor Hugo

18
Set 05
publicado por RAA, às 00:24link do post | comentar
[1884]

Meu querido Oliveira Martins

A minha sublevação intestinal tem resistido à repressão conservadora do Bismuto. Preciso por isso um desses sujeitos que no tempo de Molière, frequentavam a alta sociedade com uma seringa debaixo do braço, e que nós hoje chamamos um príncipe da ciência. Conheces tu algum bom -- tão bom que distinga realmente o intestino grosso da aorta? O que vem aqui regularmente ao hotel parece-me um mendigo da ignorância.
Se não estiveres em casa, ao receber desta, manda-me pelo correio, num bilhete postal, o nome e adresse do sábio, -- para que eu o mande chamar amanhã.
Excelente o Friedlaender! Já tenho a minha estradinha romana, com a sua estalagem a sua tabuleta À Grande Cegonha, a sua inscrição convidativa invocando Apolo; e já tenho o aspecto da estrada, com as carroças de viagem, os arrieiros númidas, e os pajens favoritos com o rosto coberto duma máscara de miga seca de pão, para não sofrerem no acetinado da tez, com a humidade ou com o pó! Grande gente!
Manda o nome do sábio.
Teu do C
Queiroz
Correspondência
(edição de Beatriz Berrini)

18
Mai 05
publicado por RAA, às 16:02link do post | comentar
QUERIDA EMÍLIA -- Pelo que me dizes na tua carta de que passa muita gente -- que passa tudo! -- na rua em que está a casa da mãe, vejo que o que fazes é estar à janela em vez de saíres à maneira do Porto. Isso é o hábito mais anti-higiénico, mais burguês e mais ordinário que há. Peço-te o obséquio especial de não frequentares a janela. As janelas fizeram-se para alumiar as casas, e arejá-las, não se fizeram para ter senhoras penduradas. À janela para quê? Para ver a vida alheia, para olhar para as vizinhas, para ver os vestidos? Isso é de criada de servir. Que as vizinhas façam o que quiserem, que as outras passeiem como lhes apetecer, e que se vistam como entenderem; nós não temos nada com isso. Senhora janeleira faz-se linguareira, invejosa, maldizente e ruim. Mulher de janela, ou pública ou tola. Ainda se é uma janela de onde se descobre o mar, as florestas, os acidentes de uma paisagem e o ar livre e puro, ainda se compreende. Mas na rua da Senhora da Luz ou de S. Bartolomeu! É indecente. Rogo-te a fineza de passeares, de ires para Carreiros, para a costa, para a praia, para a beira do mar. Dize à Júlia da minha parte que se quiser filhos robustos, os não tire nunca da areia. Lembra-te dos benefícios (?) de crianças que Michelet manda construir à beira-mar. Os pequenos não devem sair nunca da areia, mesmo da areia húmida, porque a humidade do mar não constipa nem produz reumatismos, cura-os. Os pequenos como devem andar nas praias é nus. Como se devem enxugar da onda é na areia quente pelo sol. Assim é que se criam os fortes, e se regeneram os homens. Quem o pode fazer e o não faz aos seus pequenos tem uma grande responsabilidade diante da higiene e da humanidade. Sai, sai, sai, sai, sai, sai, sai! é o que te digo com muitos abraços do teu amigo do C
RAMALHO
[C. 1878]
Cartas a Emília, edição de Beatriz Berrini

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