letras, sons, imagens -- revolução & conservação -- ironia & sarcasmo -- humor mau e bom -- continua preguiçoso
09
Out 12
publicado por RAA, às 23:39link do post | comentar | ver comentários (2)

(o último romance de Ferreira de Castro, publicado, em 1968)

do «Pórtico»:

* Castro dirige-se ao etnógrafo Nunes Pereira, grande figura da vida cultural, científica e política da Amazónia. O mesmo que em tempos lhe mandara terra do seringal Paraíso -- que se encontra em exposição no Museu, em Sintra --, fotografias do que restava do acampamento, e que pesquisara nos arquivos do escritório o que ficara anotado dos proventos do jovem Zeca Castro (13 anos incompletos quando lá chegou, em 1911) nos livros do deve & haver: «[...]a minha vida sintetizada em algarismos, como é de bom e corrente uso no Mundo em que vivemos; neste caso poucas cifras, pois eu ganhava dez tostões por dia.»

* A evocação do terror infantil da possibilidade de um ataque dos Parintintins , tribo temível com um longo historial de conflitos com os seringueiros, e cujas notícias da prática da decapitação das vítimas não contribuiriam, decerto, para grande sossego do rapaz... Castro nunca se terá deparado com eles (assim o crê Bernard Emery), nem há notícia de que alguma vez tenha ocorrido uma incursão, o que não invalida que a ameaça permanente que pendia sobre as suas cabeças (pelo menos assim percepcionada), que, já velho, quase seis décadas mais tarde escervesse: «Eram o meu terror esses índios».

* A forma (aparentemente) destemida como quotidianamente os seringueiros se embrenhavam floresta adentro, desfrutando do pavor do menino, fez nascer neste uma admiração pela bravura desses homens rudes -- um pouco como veremos suceder n'A Selva com Alberto e Firmino, uma irmanação progressiva que depois se alargará, vencidos os preconceitos, aos restantes homens.

*Livro prometido a Cândido Rondon (retratado na capa por Artur Bual), «numa hora porventura leviana», promessa recordada pelo general Jaguaribe de Matos -- cartógrafo que acompanhou Rondon -- em 1959, quando da visita de Castro ao Brasil. Apesar de em fim de percurso (e que percurso!), a circunstância de apresentar um romance no mesmo cenário de A Selva trazia o receio de que pudesse ser acusado de explorar um filão que granjeara a maior fortuna crítica e a grande adesão do público. «Vexava-[o]» -- mesmo que se tivessem passado quase 40 anos sobre a primeira edição daquele romance...: «[...] sempre preferi um novo território literário para cada novo romance. Seduz-me auscultar os caminhos que ainda não trilhei, estudar as atmosferas que a minha pena ainda não captou, desvelar o que é inerente a cada terra; atraem-me as próprias dificuldades e assusta-me a eventualidade de repetições.» Quem lhe conhece a obra, sabe que foi assim.


21
Set 12
publicado por RAA, às 01:33link do post | comentar
do «Pórtico» de O Intervalo
* O protagonista escreve ao autor: Alexandre Novais, por alcunha "o Século XX", autodidacta, colaborador da imprensa obreirista legal e clandestina, antigo secretário da anarco-sindicalista C.G.T. É um operário de escol em que o período foi fértil (basta recordar um jornal como A Batalha). Pede-lhe que conte a sua história pessoal, que tem acompanhado a da centúria em que vive.
* Um projecto que ficou na gaveta, escrito entre 1934 e 1936. Impublicável (como só o foi em 1974...). O Intervalo permanecerá o único capítulo da «Biografia do Século XX», ideia que Castro acalentou nas décadas de 30, 40 e 50.
* Castro assume-se como «escritor farol» (A Epopeia do Trabalho, 1926), aquele que abre caminho, o que "ajuda a ver" (entrevista a José de Freitas, 1966).
* Se esta "biografia", este roman fleuve tivesse ido por diante, haveria A Tempestade? -- não creio.; A Lã e a Neve? -- quase de certeza; A Curva da Estrada? -- improvável, mas quem sabe; A Missão? -- curta novela, é possível, mas fora da série; A Experiência -- porque não?; As Maravilhas Artísticas do Mundo? -- tenderia a dizer que não, mas com o desígnio que lhe subjaz, talvez, embora menos avantajada nas suas mais de mil páginas...; O Instinto Supremo? -- talvez Castro fosse mais tentado a fugir à promessa de escrever um livro a propósito de Rondon; assim como não escreveu a biografia de Kropótkin que Martins Fontes lhe pedira, e para a qual ele chegou a coligir material...
* A verdade é que o «Pórtico» geral de Os Fragmentos, que acolhe O Intervalo é escrito a 16 de Julho de 1969 -- «dia resplandecente para o génio humano da nossa época» -- quando Neil Armstrong, Buzz Aldridge e Michael Collins partiram para a Lua. A mesma crença e a mesma preocupação testemunhal do progresso do homem e das ideias se mantém no fim da vida. Não por acaso ele persistiu (e levou avante a intenção, mesmo que postumamente) que este fragmento do que projectara fosse publicado.

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