letras, sons, imagens -- revolução & conservação -- ironia & sarcasmo -- humor mau e bom -- continua preguiçoso
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Dez 06
publicado por RAA, às 22:44link do post | comentar

O recente centenário do nascimento de Lopes-Graça fez-me ir à gaveta retirar um estudo com meia dúzia de anos destinado a uma colectânea de correspondência com os «presencistas», grupo a que, por direito próprio, o autor de Música e Músicos Modernos pertence. Ele aqui fica, em primeira mão.
Liberdade de criação e expressão, recusa de subordinação a tudo que não fosse a verdade do artista, consequente afirmação da sua independência em face dos poderes instituídos -- condição necessária para a autenticidade da criação como manifestação do que de mais genuinamente o artista traz em si --, rejeição do academismo, do formalismo e da contrafacção: este, a traços largos, o programa da presença, revista literária que se publicou em Coimbra, entre 1927 e 1938, com uma segunda série saída em Lisboa, em 1939 e 1940.
Com a Seara Nova, de Raul Proença, Jaime Cortesão, Câmara Reis e António Sérgio, entre outros, iniciada em 1922 -- embora não descurando a literatura, procurava antes de tudo exercer um pedagogismo cívico que não cabia nos propósitos da folha coimbrã --, apresentam-se-nos ambas como as principais referências éticas da vida cultural portuguesa, no que a revistas culturais respeita, entre as duas guerras mundiais. Não por acaso, de resto, se constata a preeminência de ambas, cujas afinidades na respectiva área de intervenção teríamos gosto em explorar, não fosse tal confronto comprometer a razoabilidade das dimensões da apresentação deste epistolário. (1)
(1) Recorde-se a funda admiração que Régio consagrou a António Sérgio, e também a sua importante colaboração na Seara, com destaque para as «Cartas do nosso tempo», dadas à estampa na década de 30 (ver Isabel Cadete NOVAIS, «Colaboração de José Régio em publicações periódicas», Boletim, n.º 2, Vila do Conde, Câmara Municipal / Centro de Estudos Regianos, 1998, p. 5.)
(continua)

02
Abr 06
publicado por RAA, às 16:17link do post | comentar | ver comentários (4)
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publicado por RAA, às 16:09link do post | comentar
Querido Amigo:

F.º de Peniche
28.VIII.40

Homem! há muito que me não acontecia ler um livrinho, de cabo a rabo, sem outras interrupções que não fossem as da minha nova disciplina de presidiário. E esse foi o volume que V. teve a gentileza de enviar-me sobre o Eça.
Comecei-o a ler à tarde, ou melhor à tardinha, e às 10 horas da noite ainda o lia com sofreguidão, quando a mão da Autoridade, girando o comutador, ceifou o enlevo com que saboreava a sua leitura. Hoje, mal luziu a alva, e a corneta me sacudiu da tarimba, foi para lavar o focinho estremunhado, e continuar o regalo da véspera.
V. foi digno do assunto. E dito isto, estaria dispensado de dizer mais nada, se não quisesse salientar virtudes e... apontar um erro. Primeira virtude: o desassombro. Segunda: o alto e distante lugar que dá ao Antero.
Eu desconhecia o episódio da correspondência com o Ramalho sobre o pedido de intervenção junto do Andrade Corvo. Arre! Foi um acesso pernicioso duma doença que nele era endémica: a frouxidão do carácter. Mas, nem assim! Não há maneira de deixarmos de adorar o canalha!
E verdadeiramente V. leu a alma do Eça com virtuosidade rembrandesca. Pesou até ao miligrama o claro-escuro. Virtude, aliás, queirozeana.
Excelentes as páginas em que evoca a Coimbra do nosso tempo. Se o Aquilino a tivesse frequentado e tentasse descrever, meteria «aldemenos» mais arcaísmos, mas não o faria melhor, com mais vivida reflexão dos sentidos. Uma única coisa lhe levo a mal: que não houvesse uma boa e larga referência a certas das «Cartas de Inglaterra», que, algum dia, na balança do Juízo Final, hão-de pesar, em seu favor, para resgate do seu scepticismo elegante, ladeira por onde resvalou às graves defecções.
Finalmente, a leitura do seu livrinho teve sobre mim efeitos tónicos. Andava caído do físico e da alma. Uma crise hepática e outra palustre conspiraram, conjugando-se, para me abater.
Sinto-me hoje melhor. E em grande parte o atribuo à leitura do livrinho: a essa janela aberta sobre as grandiosas e belas paisagens, onde nos viamos. Principalmente, o ar vivo que sopra das eminências do Antero fez-me bem. É bom sentir a camaradagem dos Santos.
E agora um pedido. Mais um, além do pedido dos trapos e com o mesmo fim. Entre as excelentes obras da Seara, contam-se os seus Cadernos de Estudo e Textos. Ora eu desejava socorrer a indigência dos companheiros, que me deram, não só em indumentária, mas na cultura. Estou-lhes a fazer um curso de História Pátria. Quero, além disso, fornecer leituras elementares, de selecção, a alguns deles, dotados de vivacidade e avidez intelectual.
Naturalmente, também desejo alguns para mim. Começarei por estes e pela oredem da sua urgência:
Crónica de D.
(Parece-me melhor mandar a lista à parte)
-- Crónica de D. João I (Lapa)
-- Líricas de Camões (Lapa)
-- Sobre História e Historiografia (Sergio)
-- O Cosmopolitismo de D. de Gois (Bataillon)
-- História de uma Catedral (Barreira)
-- Duas formas de expressão opostas na hist. da Arte (Jirmounsky)
Estes lhe rogo me envie pelo correio ou, se minha Mulher vier breve, por ela.
Quanto aos outros, enviarei amanhã a lista (bem mais numerosa) e rogo-lhe os faça entregar a minha Mulher.
Os primeiros meta na minha conta... Os segundos meto-os eu na sua, já que são para obras pias, daquelas que contribuem para a salvação das almas.
Cá estou esperando as provas da «Economia da Restauração». Conto enviar ainda um pequeno mapa à pena, para ilustração do primeiro texto.
Os meus repeitos a Sua Esposa e Sogra, minhas Senhoras.
Um grande abraço do amigo mt.º grato
Jaime Cortesão
13 Cartas do Cativeiro e do Exílio
(edição de Alberto Pedroso)

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