Paris
Meu querido amigo:
Aqui cheguei depois de uma passagem na Bélgica verdadeiramente arrasadora -- mas consoladora. Estava eu habituado, no estrangeiro, a ver o meu país tratado sempre em «quantité négligeable» e a minha qualidade de português olhada com uma vaga ironia com que se olha para os siameses ou para os malgaches.
E tive agora a grande sensação de orgulho ao ouvir o nome de Portugal tratado com carinho e de ver o representante do seu governo respeitado, acolhido com simpatia: neste momento acabo de receber um telegrama da rainha da Bélgica, assinado «Elisabeth» simplesmente, antiprotocolar mas encantador, revelando, sob um pretexto banal, a maior simpatia e consideração pelo país.
Meu querido amigo: se não fosse a sua admirável actuação, o país não teria nunca chegado a esta altura. Não resisto a mandar-lhe daqui a expressão do meu entusiasmo pela sua obra e do meu comovido agradecimento. Todas as grandes homenagens de que vi cercado o meu país -- foi V. Ex.ª que as ganhou e mereceu. A minha acção pessoal ante grande triunfo foi pequena: e nenhum efeito teria se os anos de administração e trabalho que V. Ex.ª tem desenvolvido não existissem. É isto que eu não posso esquecer.
Hoje o marechal Lyautey oferece, em sua casa, um chá particular para nos apresentar aos seus amigos. Isto é significtaivo: ao fazer o convite disse-me: só para si e sua mulher, porque eu quero marcar bem, além da minha amizade pessoal, a minha grande simpatia pelo seu governo; por isso não quero a comitiva.
Amanhã, presido, com o marechal, a uma conferência de João de Almeida, na Sociedade de Geografia. Pensei que era interessante ficar estes dois dias ainda para estes efeitos, embora as autorizações de viagem se tenham acabado já. Mas isso é assunto que terá de ser regularizado depois.
Não posso contar-lhe aqui miudamente tudo o que aconteceu na Bélgica -- onde foram feitas declarações cheias de interesse para o país mas onde eu não passei de fórmulas banais de amizade -- mas verá que realmente os efeitos da sua política chegaram longe, quando lho contar. O ministro das Colónias belgas, no banquete oficial, levantou o seu copo pelo meu eminente Presidente do Conselho -- le Doctor Salazar.
Enfim -- pessoalmente estou arrasado e arruinado. Tenho de sofrer uma intervenção cirúrgica quando aí chegar -- já a devia ter sofrido, mas não tenho tido um minuto e isto exige três dias de cama, apesar de não ter importância. Mas tem-me feito passar maus bocados.
Um grande e afectuoso abraço, com todos os agradecimentos e homenagens do
Armindo Monteiro
Correspondência Política -- 1926-1955
(edição de Fernando Rosas, Júlia Leitão de Barros e Pedro de Oliveira)