Lisboa, 7 de Outubro de 1973
Minha querida amiga Natália Correia:
Foi preciso que uma grande poetisa tivesse voz orientante numa casa editora, para que se ressuscitasse um grande jornalista português, decerto o mais estranho de todos, mas que versos nunca fizera.
Não é debalde que a Natália se distingue também e muito altamente como romancista, psicóloga e pensadora. Não é debalde, porque todos estes méritos contribuíram certaemnte para considerar uma injustiça o esquecimento em que se encontrava esse fantástico Reinaldo Ferreira, tão fantástico na sua curta vida e nos seus próprios trabalhos, que se eu não o houvesse conhecido em carne e osso e sido muito amigo dele, duvidaria da sua existência.
Senhor duma prodigiosa imaginação, tão vasta e surpreendente que é bem provável não ter havido outra igual no nosso jornalismo, durante uma década o seu fulgurante talento encheu de estupefacção quantos o liam. E não só em Portugal, mas também em Espanha, onde trabalhou algum tempo.
Em tudo precoce, quer na vida aventurosa, quer na sua arte, Reinaldo Ferreira conheceu um espantoso êxito antes dos trinta anos. O seu nome tornara-se rapidamente célebre e o seu pseudónimo «Repórter X» mais famoso ainda. Falava-se dos seus triunfos profissionais com o mesmo tom que se utiliza para evocar actos singulares de figuras lendárias.
Mas no meio de toda esta ebriedade, uma mulher, que não devemos nem podemos condenar sem conhecer a sua verdade, que ela própria talvez não soubesse esclarecer bem, empurrou-o para um abismo, sem ser essa, evidentemente, a sua intenção.
Ansioso de olvido, ele escolhera, para curar o espírito doente, o pior de todos os remédios, aquele que lhe adoeceria o corpo também. Foi uma derrocada total. E Reinaldo, que tanto desejava esquecer, ficou esquecido ainda em vida. A Morte, talvez apiedada, apressou-se a levá-lo com a mesma prematuridade com que tudo florescera na sua existência.
Nobre gesto o seu, Natália, em querer que ele volte ao nosso convívio. Pode dispor completamente do artigo de que me falou -- o artigo que escrevi há já bastantes anos sobre esta figura excepcional, que tinha espírito europeu e morreu de paixão envenenada, como um português.
Um grande abraço do seu muito amigo e muito admirador
Ferreira de Castro
In Reinaldo Ferreira (Repórter X), O Táxi nº 9297